Por dentro de quase nada, mas querendo mostrar o que há dentro de mim. Meu nome é Fabiana e às vezes escrevo coisas.

25 outubro 2010

Necessidades especiais

Estou trabalhando numa ONG que cuida de pessoas com necessidades especiais. Saí do Brasil e vim pra Irlanda pensando: “Oba, vou cuidar de pessoas!”. Quanto engano... Elas que cuidam de mim e eu, que pensava que ia ensinar alguma coisa, estou aprendendo com elas lições que vou levar comigo pra vida inteira.

Elas me fizeram refletir sobre o que é ter necessidades especiais. Na verdade, olho pra elas e vejo pessoas felizes, desenvolvidas, com uma alma voluntária, um sorriso constante e uma paciência pra tentar entender o universo ao seu redor. Muitas vezes ao contrário de nós, pessoas “sem necessidades especiais”, eles conseguem encontrar alegria na simplicidade das coisas que as cercam – no agradecimento a Deus pela comida, cultivar uma flor, pintar um quadro, moldar a argila, tudo é motivo pra sorrir.

Posso citar exemplos. Conheci Paul*, que não pode falar adequadamente e tem deficiência motora em grau médio. No entanto, é impossível chegar à sua casa e não receber sua ajuda: ele tira nosso casaco, carrega nossa bolsa, mostra o caminho até a sala de estar e gesticula, tentando desenvolver uma conversa amigável. Matthew* tem Síndrome de Down. Cozinha comigo todos os dias e sempre que lhe peço algum favor, este me responde amorosamente e me dá um abraço. (Disse até que não me deixa voltar para o Brasil nunca mais!). Tânia* não distingue muito bem o que é realidade e o que é fruto de sua imaginação. No entanto, consegue ver algo positivo em todas as situações – até a mais murcha flor é bonita para ela, que não se cansa de elogiar o dia, nosso cabelo, o jogo de futebol na TV.

Aí me pego pensando quem REALMENTE tem necessidades especiais: eles ou eu? Porque, para estar feliz, preciso de saúde, dinheiro, amigos, situações climáticas apropriadas, casa, comida, roupa limpinha, todo mundo de bom humor ao meu redor e mais uma lista infindável de condições cuja ausência, algum dia, já me causou desconforto. Para eles ficarem bem, basta uma mãozinha pra colocar o açúcar no chá, abrir uma porta, empurrar uma cadeira de rodas. Todo o resto já está maravilhoso. Fico me perguntando se algum dia vou assimilar que, pra entender a graça de Deus, tenho que encontrar alegria nas coisas simples, no simples fato de ter o dom da vida e conhecer o Criador. E “necessidades especiais” tenho eu, ponto.

*Nomes fictícios.




Texto publicado no blog Cotidiano e Fé, do jornal O Povo, no dia 24/10/2010.

3 comentários:

Amanda Sales disse...

muito muito muito bom!

Jessyca disse...

É quando o coração fica diferente que os olhos começam a ver coisas que ninguém mais vê.
Essa é a questão: as outras coisas, desejadas, que a saudade que temos de Cristo nos faz ver...

Te amo, Bi!

Texto lindo, como sempre...

KatiBraga disse...

amigaaa... q sábias palavras, tenho taaanto orgulho de tis sabia?!