Ontem, tomei um ônibus na avenida Ipiranga, em frente ao famoso edifício Copan, em direção ao cruzamento das avenidas Rebouças e Henrique Schaumann.
Estava indo do emprego que tenho de manhã para o que tenho à tarde.
Como de costume, escutava música com o fone de ouvido. O ônibus estava cheio e, assim que passei a catraca, encostei ao lado do cobrador, na porta que não iria abrir até o ponto em que eu desceria.
Uns dois pontos depois, percebi uma certa agitação que os fones de ouvido faziam ser silenciosa. Tirei-os para tentar entender.
Na parte da frente do ônibus, havia um senhor de idade, negro, pobre, com as roupas sujas de tinta, sentado em um dos bancos reservados para gente justamente como ele – de idade. O lugar ao seu lado estava vazio.
Então, uma senhora, branca, também pobre – já que andava de ônibus -, tomou o ônibus procurando por um lugar vazio. A um metro do banco, parou. Olhou para o senhor com espanto e virou as costas, reclamando que era um absurdo ter que sentar “com esse tipo de gente”.
Mais à frente, em outro banco reservado, mas daqueles pra acompanhantes de pessoas em cadeiras de rodas, uma mulher estava sentada. Ela assistia à cena, assim como o cobrador, eu e outro rapaz que acabara de passar a catraca.
A senhora branca virou para essa mulher e disse:
- Minha filha, me deixe sentar aí.
A mulher respondeu:
- Não. Tem um lugar livre do lado daquele senhor, a senhora que sente lá.
O conflito, ao contrário de inúmeros dos casos semelhantes de racismo no Brasil, estava posto, escancarado.
A senhora branca foi resmungando até a frente do ônibus, ao que parece, falar com o motorista. Perto da catraca, eu, o cobrador e a mulher lamentávamos com a cabeça ter que presenciar esse tipo de atitude.
Olhei para o senhor negro. Seu olhar, que antes já era de constangimento – afinal, ele era negro, pobre e ainda por cima com roupas sujas, quase um crime, uma ofensa ao mundo -, agora misturava um certo temor por uma confusão na qual ele não queria estar, e sobre a qual ele não proferiu uma palavra sequer. Estava apenas sentado no ônibus, exercendo nada mais que um direito.
A mulher que enfrentara a senhora branca, então, levantou-se.
Foi sentar ao lado dele, cumprimentando-o.
Não vi se foram conversando durante a viagem, pois tive que descer logo adiante. Mas aquele pequeno ato de solidariedade me deixou comovido.
Dias atrás, li um artigo de um desses acadêmicos que a mídia compra pra defender suas posições. Ele dizia que a política de cotas nas universidades ia contra o próprio texto da Constituição brasileira, e que o racismo não existe no Brasil.
Hoje, percebo que sou obrigado a concordar. Não existe racismo no Brasil. Seria muito melhor se existisse.
Porque haveria confronto, ao invés desse apartheid silencioso, escondido nos pequenos gestos que revelam um costume secular de discriminação aos pobres e aos negros – e, principalmente, aos negros pobres.
Quanto não se descobre ao tirar o fone de ouvido; imaginem então se todo mundo resolvesse tirar os tapa-olhos feitos de papel jornal que estamos (mal) acostumados a usar…
Retirado do blog Kadj Oman
http://manihot.wordpress.com/
2 comentários:
Belas palavras fabi, continue sempre assim.. te adoroooo! ^^
O penúltimo parágrafo é lindo, prima. Premiou esta singela (num espírito humilde, e não menor de ser) crônica com um comentário sobre os grandes preconceitos disfarçados de pequenos na nossa vida diária. Os pequenos atentados à dignidade, muito mais graves que as grandes políticas públicas "segregacionistas" como das cotas, como diriam certos senadores. Parabéns.
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